Estamos acondicionados em nós mesmos ou no que dizem de nós: pra quê?

 

"Homem preso do lado de fora de si",
Susano Correia.


Acompanho um anjo em forma de filha, de Belo Horizonte, que cuida do pai com Alzheimer, e por meio de uma conta no Instagram, esta que eu vejo diariamente as postagens ("memoriasdealzheimer"), vai deixando ali a rotina de uma cuidadora que faz das tripas coração por amor filial, amor puro, percebe-se de longe. São as perguntas sobre tomar banho, e ir dar banho! Sobre vestir-se, e acompanhar a escolha e o vestir de uma camiseta. Sobre dar uma volta com o cachorrinho, sobre ir à academia, sobre os óleos essenciais, sobre os exercícios fonoaudiológicos, por vezes dentro do carro mesmo; sobre as consultas aos médicos, sobre a rotina do despertar cedo, do café da manhã, do almoço, do jantar até o ir para a cama. Ao mesmo tempo, a rotina de quem cuida é importante também deixar ali exposta para quem passa por problema parecido perceber que, se não tiver os mesmos recursos à mão, precisa, cada um como der e puder, cuidar da cabeça do cuidador para também ele não entrar em parafuso. Fico sempre imaginando cá com meus botões o dia em que Aroldinho, mesmo sem se der conta, deixar esse plano, sem dor nem sofrimento conscientes, como vai ficar o vácuo nos dias dessa adorável criatura, mesmo tendo a sustentação da família; imagino a barra, essa pela qual passamos nós que perdemos algum ser que amamos, que fazem praticamente parte de nós próprios. Quando eu comecei a acompanhar, por essas indicações algorítmicas tipo "fulano que talvez você deva acompanhar", tem muito, eu vi lá e ouvi a voz mansa de uma mineirice a toda prova, e, já no primeiro conteúdo deduzi do que se tratava, e me fixei ali, hipnotizado pelos stories um atrás do outro, curtinhos, mas cada um mais poéticos do que pesarosos ou dolorosos de ver e ouvir. Voltando a essa questão da finitude, implacável para tudo e todos, a transformação, imagino que somente nesse momento ela venha a se dar conta do tamanho do encargo que carregou por tanto tempo sem reclamar e sem nem perceber a magnitude, que nem sentiu a rotina porque era amor aquilo, e somente por amor se faz o que ela fez. Muita gente faz, eu também fiz, ela não faz nada esperando retribuição nenhuma, e quando divulga não tem o intuito de likes nem nada, até apareceu no Fantástico, e em nenhum momento havia ali a busca da fama ou da celebrização instantânea, fiquei de olho para ver, mas não mudou uma vírgula! Não mudou o sotaque de um único "uai" que seja. Várias vezes já mandei mensagens dizendo que a acho extraordinária (fantástica, antes do Fantástico), mas de tantas que ela recebe e de tanta ocupação, se viu, tá bom. Acompanhamos também os de mais perto, alguns que vemos e conhecemos e temos contacto, mas não sei por que razão ficamos mais distantes do que de alguém longe, a quase 600 quilômetros, não nos aproximamos tanto dos que estão por perto, muitas vezes por algum receio de atrapalhar: será? Ou porque o problema não é nosso e é tão grande? (Mas sabemos o tamanho do encargo de cuidar de alguém preso em si mesmo assim como sabemos que não fazemos mais porque estamos presos ao que podem dizer de nós, prisão do mesmo jeito em nós mesmos). 

Eu penso isso, pense você.    

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