A vida é assim, passa e destrói tudo, é a regra inflexível

 


No futuro, bem lá na frente, quando os arqueólogos, por acaso, descobrirem nalgum sítio arqueológico alguma coisa minha, jamais imaginarão que na última semana do verão quente deste ano, quase 30 graus, 73% de umidade e vento ventando a 12 quilômetros por hora, saberão a verdadeira verdade. Achando alguém com a mão no queixo, corpo arcado, imaginarão algum pensador destes tempos pretéritos, talvez alguém que descobriu alguma coisa importante para a humanidade no tempo dele. Alguém, como estou agora, olhar para a frente, corpo arcado pela dor no quadril, fruto da artrose severa, mas não será nada disso que deduzirão, que serei somente eu, a olhar dois cachorros e dezenas de carros que vão e que vêm, nada aquém, nada além. Jamais chegarão à conclusão, pelo achado, que eu estava há pouco na sacada da área da casa, acima do nível da rua, esperando minha neta chegar de perua escolar só de olho no movimento da rua. Carro pra cima e pra baixo, uns já velhos, como os meus na garagem, outros novos, modernos, até elétricos, desses que não fazem barulho, só um zumbido; uns parando no mecânico à minha direita, umas quatro casas à seguir, num dos dois mecânicos deste quarteirão, outros, vindo de lá pra cá, parando na casa em frente à minha, no outro, que faz do conserto dessas máquinas um hobby, não ganhando muito dinheiro porque não tem disciplina profissional (como tem o outro). Nesse vaivém de carros e riquezas de seus donos fiquei a imaginar que em pouco tempo a vida os levará a todos, como a mim, e no fim, os mais sem sorte, estarão a implorar que os médicos os salvem para que possam fazer as pazes com a ex-mulher ou ex-marido, para poderem ser melhores do que foram para seus filhos e parentes e empregados, se for esse o caso, ou melhores com seus colegas de trabalho e seus patrões, se também for o caso. Mas não há retrocesso, a vida vai sempre em frente, varrendo tudo, vaidades e humildades, e nem os carros de meio milhão nem os "pois é", velhinhos como os meus na garagem, ninguém terá o beneplácito do tempinho a mais com vigor requerido, a vida é brava, irmão, passa depressa e a tudo corrói. Até que a perua chegue, vou vendo os cachorros aqui da rua, aqui tem, aqui pode, eles ficam como se não se conhecessem, rosnando um para o outro, até que algum vai pra cima e o outro recua e vice-versa. Essa meia hora no calor desta tarde, sem contar o vapor que sobe da calçada e se encontra com a umidade que vem das nuvens, de propósito em cima de mim, nesta minha área, sem dó nem piedade, no desconforto mesmo tenho que aguentar essa meia hora, mais do que nunca para terminar de ver quantos ricos passarão, quantos remediados virão do trabalho, descendo dos ônibus fretados por empresas, e assim deixando o tempo passar sem nenhum planejamento de futuro, não tenho mais "futuro", meu tempo é este, como agora, a observar o futuro pra lá e pra cá, montado em milhões ou em tostões, ou nas escaramuças desse vira-latas e ficar esperando o outono que chega semana que vem. Só me anima saber que os arqueólogos verão um pensador do seu tempo, uau! Isso deduzirão se acharem alguma gruta comigo comigo lá, se não, nem isso. Uai, e daí? A vida é agora, depois é a dos outros, e achem do verbo encontrar o que acharem e achem do verbo supor o que bem quiserem, estou nem aí! Jamais suporão que se tratava apenas de alguém olhando dois cachorros, interessado no que daria o risca faca canino, só isso.     



(Eu penso isso, pense você o que quiser).

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